"Orientalismo", Millôr Fernandes

Você atinge o estágio de Sootraying, ou seja, sujeira total da casa, depois de seis dias inteiros de reflexão, sem ligar o aspirador nem lavar uma xícara. Logo estará no estágio do Shanmukhi Mudram, ou apatia total, devido à fraqueza de seu organismo. Como você não tem cozinheira e não cozinha, não tem comida: o Shanmukhi (fome) chega naturalmente. Seu corpo fica mais leve, embora o hálito só não seja insuportável porque não há ninguém para (in)suportá-lo. À medida que os valores tradicionais vão se deteriorando em volta, com o acúmulo das coisas não feitas ou desfeitas, o conflito entre o ser e o tempo perde importância, embora as contas da Light, do gás e do telefone continuem sendo enfiadas por baixo da porta por estímulo exterior: Kripatha. Só com anos de exercícios metafísicos você poderá dominar o Paschimthãnãsam, que é, grosseiramente traduzido, a ausência de fresta embaixo da porta. Concomitantemente chegará ao Sirvana; constatação da absoluta inutilidade do telefone, da luz e do gás. Tem nada – a comunicação Soorya, a súbita iluminação interior, e o calor do fluxo Sutra substituirão os três. Também o não pensar, a realização do outro e o sentimento de vácuo mental (substituto ideal para o aspirador do pó) são conseguidos tomando o chá de folhas de Lótus, na posição Padsamana: a popular bananeira. Se o seu supermercado não tem folhas de Lótus, use mesmo chá-preto, que Buddha não era homem de se importar com tais Patrimandas. Aí você se põe de cabeça pra baixo e penas para cima, os braços em "W" e as pernas em "K". Sua alfabetização YogaHata, não dando pra fazer essas letras, substituindo-as pelo "I" e o "L". Dessa posição, e com o uso do chá, você poderá contemplar melhor:
1) O mundo desesperado que o envolve e do qual você está se afastando gradualmente;
2) A lata de lixo transbordando e a pia atulhada de louças e talheres.
3) O próprio umbigo.

((Millôr Definitivo, A Bíblia do Caos, LP&M Pocket)